~ Soneto 23 ~
William Shakespeare
Como no palco o ator que é imperfeito
Faz mal o seu papel só por temor,
Ou quem, por ter repleto de ódio o peito
Vê o coração quebrar-se num tremor,
Em mim, por timidez, fica omitido
O rito mais solene da paixão;
E o meu amor eu vejo enfraquecido,
Vergado pela própria dimensão.
Seja meu livro então minha eloqüência,
Arauto mudo do que diz meu peito,
Que implora amor e busca recompensa
Mais que a língua que mais o tenha feito.
Saiba ler o que escreve o amor calado:
Ouvir com os olhos é do amor o fado.
~ Soneto 29 ~
William Shakespeare
Quando, malquisto da fortuna e do homem,
Comigo a sós lamento o meu estado,
E lanço aos céus os ais que me consomem,
E olhando para mim maldigo o fado;
Vendo outro ser mais rico de esperança,
Invejando seu porte e os seus amigos;
Se invejo de um a arte, outro a bonança,
Descontente dos sonhos mais antigos;
Se, desprezado e cheio de amargura,
Penso um momento em vós logo, feliz,
Como a ave que abre as asas para a altura,
Esqueço a lama que o meu ser maldiz:
Pois tão doce é lembrar o que valeis
Que está sorte eu não troco nem com reis.
~ Soneto 30 ~
William Shakespeare
Quando à corte silente do pensar
Eu convoco as lembranças do passado,
Suspiro pelo que ontem fui buscar,
Chorando o tempo já desperdiçado,
Afogo olhar em lágrima, tão rara,
Por amigos que a morte anoiteceu;
Pranteio dor que o amor já superara,
Deplorando o que desapareceu.
Posso então lastimar o erro esquecido,
E de tais penas recontar as sagas,
Chorando o já chorado e já sofrido,
Tornando a pagar contas todas pagas.
Mas, amigo, se em ti penso um momento,
Vão-se as perdas e acaba o sofrimento
~ Soneto 35 ~
william shakespeare
Não chores mais o erro cometido;
Na fonte, há lodo; a rosa tem espinho;
O sol no eclipse é sol obscurecido;
Na flor também o inseto faz seu ninho;
Erram todos, eu mesmo errei já tanto,
Que te sobram razões de compensar
Com essas faltas minhas tudo quanto
Não terás tu somente a resgatar;
Os sentidos traíram-te, e meu senso
De parte adversa é mais teu defensor,
Se contra mim te excuso, e me convenço
Na batalha do ódio com o amor:
Vítima e cúmplice do criminoso,
Dou-me ao ladrão amado e amoroso.
William Shakespeare
~ Soneto 53 ~
William Shakespeare
De que substância foste modelado,
Se com mil vultos o teu vulto medes?
Tantas sombras difundes, enfeixado
Num ser que as prende, e a todas sobre excedes;
Adônis mesmo segue o teu modelo
Em vã, esmaecida imitação;
A face helênica onde pousa o belo
Ganhou em ti maior coloração;
A primavera é cópia desta forma,
A plenitude és tu, em que consiste
O ver que toda graça se transforma
No teu reflexo em tudo quanto existe:
Qualquer beleza externa te revela
Que a alma fiel em ti acha mais bela.
~ Soneto 92 ~
William Shakespeare
Faz teu pior pra mim te afastares,
Enquanto eu viva tu és sempre meu,
Não há mais vida se tu não ficares,
Pois ela vive desse amor que é teu.
Por que hei de temer grande traição
Se tem fim minha vida com a menor;
De vida abençoada eu sou, então,
Por não estar preso ao teu cruel humor.
Tua mente inconstante não me afeta,
Minha vida é ligada à tua sorte;
Como é feliz o fato que decreta
Que sou feliz no amor, feliz na morte!
Porém que graça escapa de temer?
Podes ser falso e eu sequer saber.
Sim, esta folha é para você!
Melina Coury
A dita dor,
Do céu de seus vértices,
agora é paz.
Melina Coury
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