MAR PORTUGUÊS
Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Minha dor é velha
Fernando Pessoa
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Fernando Pessoa
(Fernando Pessoa)
Não deixe que a saudade sufoque,
Fernando Pessoa
que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e
acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando,
fazendo que planejando,
vivendo que esperando
Porque, embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu.
fernando pessoa
Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Fernando Pessoa
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!
Não sei quantas almas tenho.
Fernando Pessoa
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Não sei quem sou, que alma tenho.
Fernando Pessoa
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."
NÃO SOU QUEM DESCREVO,
Fernando Pessoa
EU SOU A TELA E OCULTA MÃO,
COLORA ALGUÉM EM MIM,
PUS NA ALMA NO NEXO DE PERDÊ-LA
E O MEU PRÍNCIPIO,
FLORESCEU ENFIM..."
FERNANDO PESSOA
ESCRITO POR TITÂNICO MELLO
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Fernando Pessoa
Mas nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.
Não tenho ambições nem desejos.
Fernando Pessoa
ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sózinho.
...
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...
...
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
...
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Navegue, descubra tesouros,
Fernando Pessoa
mas não os tire do fundo do mar, o lugar deles é lá.
Admire a lua, sonhe com ela,
mas não queira trazê-la para a terra.
Curta o sol, deixe-se acariciar por ele,
mas lembre-se que o seu calor é para todos.
Sonhe com as estrelas, apenas sonhe,
pois elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda a parte,
ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
Não apare a chuva, ela quer cair e molhar muitos rostos,
não pode molhar só o seu.
As lágrimas? Não as seque, elas precisam correr na minha,
na sua, em todas as faces.
O sorriso! Esse você deve segurar,
não o deixe ir embora, agarre-o!
Quem você ama?
Guarde dentro de um porta jóias, tranque, perca a chave!
Quem você ama é a maior jóia que você possui, a mais valiosa.
Não importa se a estação do ano muda,
se o século vira e se o milénio é outro, se a idade aumenta;
conserve a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.
Abra todas as janelas que encontrar e as portas também.
Persiga um sonho, mas não o deixe viver sozinho.
Alimente a sua alma com amor, cure as suas feridas com carinho.
Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades,
mas não enlouqueça por elas.
Procure, sempre o fim de uma história,seja ela qual for.
Dê um sorriso a quem se esqueceu como se faz.
Acelere seus pensamentos, mas não permita que eles o consumam.
Olhe para o lado, alguém precisa de si.
Abasteça o seu coração de fé,não a perca nunca.
Mergulhe de cabeça nos seus desejose satisfaça-os.
Agonize de dor por um amigo,
só saia dessa agonia se conseguir tirá-lo também.
Procure os seus caminhos, mas não magoe ninguém nessa procura.
Arrependa-se, volte atrás, peça perdão!
Não se acostume com o que não o faz feliz,
revolte-se quando julgar necessário.
Alague o seu coração de esperanças,
mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se achá-lo, segure-o!
NEVEGUE
Fernando Pessoa
Navegue, descubra tesouros, mas não os tire do fundo do mar, o lugar deles é lá.
Admire a lua, sonhe com ela, mas não queira trazê-la para a terra.
Curta o sol, se deixe acariciar por ele, mas lembre-se que o seu calor é para todos.
Sonhe com as estrelas, apenas sonhe, elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda parte, ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
Não apare a chuva, ela quer cair e molhar muitos rostos, não pode molhar só o seu.
As lágrimas? Não as seque, elas precisam correr na minha, na sua, em todas as faces.
O sorriso! Esse você deve segurar, não deixe-o ir embora, agarre-o!
Quem você ama? Guarde dentro de um porta jóias, tranque, perca a chave!
Quem você ama é a maior jóia que você possui, a mais valiosa.
Não importa se a estação do ano muda, se o século vira e se o milênio é outro, se a idade aumenta; conserve a vontade de viver, não se chega à parte alguma sem ela.
Abra todas as janelas que encontrar e as portas também.
Persiga um sonho, mas não deixe ele viver sozinho.
Alimente sua alma com amor, cure suas feridas com carinho.
Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades, mas não enlouqueça por elas.
Procure, sempre procure o fim de uma história, seja ela qual for.
Dê um sorriso para quem esqueceu como se faz isso.
Acelere seus pensamentos, mas não permita que eles te consumam.
Olhe para o lado, alguém precisa de você.
Abasteça seu coração de fé, não a perca nunca.
Mergulhe de cabeça nos seus desejos e satisfaça-os.
Agonize de dor por um amigo, só saia dessa agonia se conseguir tirá-lo também.
Procure os seus caminhos, mas não magoe ninguém nessa procura.
Arrependa-se, volte atrás, peça perdão!
Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se achá-lo, segure-o!
"Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada".
No Sertão Plantamos, Colhemos
reis pessoa
E Exportamos.
Ficamos com o que resta.
Mais o que nos resta,
E o
Que Plantamos para nos mesmos.
Temos mais Resistencia ,
conhecemos a Natureza,
Temos Ar Puro,
Vemos o Sol Nasce,
Temos a Sinfonia dos Pardais,
A Frieza da Manhã
O Sereno da Noite,
Somos Avo, Bisavo, Tataravo .....
Morremos mais Velhos.
Noite
Fernando Pessoa
Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do tamanho do universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo, que eu me perca em ser mera treva e me torne noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim, nem sol esperado que ilumine do futuro.
O artista como artista sente menos do que os outros homens porque produz ao mesmo tempo que sente, e nesse caso há uma dualidade de espírito incompatível com o estar entregue a um sentimento." [Fernando Pessoa]
Fernando Pessoa
"Nem esta obra, nem as que se lhe seguirão têm nada que ver com quem as escreve. Ele nem concorda com o que nelas vai escrito, nem discorda. Como se lhe fosse ditado, escreve; e, como se lhe fosse ditado por quem fosse amigo, e portanto com razão lhe pedisse para que escrevesse o que ditava, achava interessante - porventura só por amizade - o que, ditado, vai escrevendo" [Fernando Pessoa]
"Eu era um poeta impulsionado pela filosofia, não um filósofo dotado de faculdades poéticas" [Fernando Pessoa]
"Tenho pensamentos que, pudesse eu trazê-los à luz e dar-lhes vida, emprestariam nova leveza às estrelas, nova beleza ao mundo, e maior amor ao coração dos homens" [Fernando Pessoa]
"Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse" [Fernando Pessoa]
"Deus é um conceito econômico. À sua sombra fazem a sua burocracia metafísica os padres das religiões todas" [Fernando Pessoa]
"Um poema é a projeção de uma idéia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão-somente o meio de que a idéia se serve para se reduzir a palavras" [Fernando Pessoa]
"Substitui-te sempre a ti - próprio. Tu não és bastante para ti. Sê sempre imprevenido [?] por ti - próprio. Acontece-te perante ti - próprio. Que as tuas sensações sejam meros acasos, aventuras que te acontecem. Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior" [Fernando Pessoa]
"Ao passo que a filosofia é estática, a arte é dinâmica; é mesmo essa a única diferença entre a arte e a filosofia" [Fernando Pessoa]
"A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa interpretação objetivada duma impressão subjetiva" [Fernando Pessoa]
"A única realidade da vida é a sensação. A única realidade em arte é a consciência da sensação" [ Fernando Pessoa ]
"A uma arte assim cosmopolita, assim universal, assim sintética, é evidente que nenhuma disciplina pode ser imposta, que não a de sentir tudo de todas as maneiras, de sintetizar tudo, de se esforçar por de tal modo expressar-se que dentro de uma antologia de arte sensacionista esteja tudo quanto de essencial produziram o Egito, a Grécia, Roma, a Renascença e a nossa época. A arte, em vez de ter regras como as artes do passado, passa a ter só uma regra - ser a síntese de tudo. Que cada um de nós multiplique a sua personalidade por todas as outras personalidades" [Fernando Pessoa]
"Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade" [Fernando Pessoa]
"Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre" [Fernando Pessoa]
"Que este processo de fazer arte cause estranheza, não admira; o que admira é que haja cousa alguma que não cause estranheza" [Fernando Pessoa]
"Todos os meus escritos ficaram inacabados; sempre novos pensamentos se interpunham, associações de idéias extraordinárias e inexcluíveis, de término infinito ... O Caráter da minha mente é tal que odeio os começos e os fins das coisas, porque são pontos definidos." [Fernando Pessoa]
"Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos? " [Fernando Pessoa]
"Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência" [Fernando Pessoa]
"O Essencial da arte é exprimir; o que se exprime não interessa" [Fernando Pessoa]
"Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a razão, seja quem for o seu procurador." [Fernando Pessoa]
Onde você vê um obstáculo,
Fernando Pessoa
alguém vê o término da viagem
E o outro vê uma chance de crescer.
Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.
Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa...
Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.
Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
Percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.
E que é inútil querer apressar o passo do outro,
A não ser que ele deseje isso.
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.
"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."
(Fernando Pessoa)
Passado
Fernando Pessoa
"Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à natureza,
Porque a natureza de ontem não é natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!"
PASSAGEM DAS HORAS
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.
Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?
(...)
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Fernando Pessoa
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...
Poema do amigo aprendiz
Fernando Pessoa
Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..
POEMA EM LINHA RETA
Fernando Pessoa
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Pouco importa de onde a brisa
Fernando Pessoa
Traz o olor que nela vem.
O coração não precisa
De saber o que é o bem.
A mim me basta nesta hora
A melodia que embala.
Que importa se, sedutora,
As forças da alma cala?
Quem sou, p'ra que o mundo perca
Com o que penso a sonhar?
Se a melodia me cerca
Vivo só o me cercar...
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.
Fernando Pessoa
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um não. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...
Fernando Pessoa
PRECE
Fernando Pessoa
Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.
[...]
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.
Qualquer coisa de obscuro permanece
Fernando Pessoa
No centro do meu ser. Se me conheço,
É até onde, por fim mal, tropeço
No que de mim em mim de si se esquece.
Aranha absurda que uma teia tece
Feita de solidão e de começo
Fruste, meu ser anónimo confesso
Próprio e em mim mesmo a externa treva desce.
Mas, vinda dos vestígios da distância
Ninguém trouxe ao meu pálio por ter gente
Sob ele, um rasgo de saudade ou ânsia.
Remiu-se o pecador impenitente
À sombra e cisma. Teve a eterna infância,
Em que comigo forma um mesmo ente.