FLASH-BACK
Mlailin
Seria uma tarde e uma noite longa
Não olharia o relógio e nem contaria os minutos nos dedos
ficou até as 3hs da tarde sentada estática, quase em choque, olhando as pessoas humildes que entrava e saiam daquela rodoviária em Natal/RN.
Tentou ler e fazer algumas anotações, era mais uma vitima da apatia. Quando o relógio quase marcava 4hs pensou: Já deu tempo. Já deu tempo do dinheiro cair na conta e assim foi em direção ao guarda-volumes. Guardou suas malas e se dirigiu ao caixa eletrônico. Suas malas poderiam ficar ali até as 6hs da manhã do outro dia. Foi até o guichê e decidiu por Natal/Brasilia. Se dissesse isso, a chamariam de louca. Depois de tanto pensar a sua bussola mental indicava esse o caminho. Era mais forte do que a razão, se é que vivia em um mundo de razão. A outra opção era esperar o outro dia, o sábado, e seguir as 13hs para o Rio de Janeiro e depois São Paulo. O imã interno existente dentro de si, chamado coração, indicava Caruaru, Quipapá, Cupira, Jacintinho, Praia Jatiuca, Sete Coqueiros, Praia do Francês, Barra de São Miguel, Palmeira dos Indios, Quebrângulo, Pedra Pai Inacio, Chapada Diamantina, Lençois, Arapiraca, São Miguel dos Campos, Cacimbinhas, Minador do Lucio, Alvorada do Norte, Posse, Barreiras... Não necessariamente nessa ordem... A mente humana não existe ordem. E que importância tem a ordem no meio da desordem?
Depois de tudo feito ainda teve tempo de sair e olhar pela última vez para aquela terra insuportavelmente quente. Havia alguns carros parados e quando passou por eles um homem perguntou: "Mossoró?" Que diabos poderia querer em Mossoró? No céu um pequeno filete de lua se formava. A testemunha fiel no céu. Levaria ela como lembrança e levaria três sorrisos, de três meninas do bairro de Nazaré/RN, o resto poderia ser colocado em uma história de Stephen King. Quem sabe qual é o ponto do qual não haverá retorno? E será que saber disso com antecedência faria alguma diferença?
Passou a tarde e a noite ali naquela rodoviária e as 4hs da manhã chegou seu ônibus vindo de Fortaleza. Mal sabia ela que ele iria entrar em vários estados, parar em várias cidades como um circular. Seria tudo muito rápido e não estava preparada para isso, se soubesse não teria dormido, não teria ficado quando acordada hipnotizada pela paisagem da estrada com o caderno fechado em seu colo e a caneta rolando em suas mãos.
Era um ônibus de dois andares estava no primeiro banco, bem de frente para a estrada, do seu lado um homem, um cearense vindo de Fortaleza, um viajante, um falador, e assim foi contando, sem ter pedido que fizesse isso, a história de todos os lugares por onde o ônibus percorria. Via uma paisagem verde. Árvores lindas, lugares vivos, pessoas dentro de rios, dentro do mar, via o sol, o calor, frutas maduras... Onde estava a seca? Onde estava a caatinga? Os pés de cactos? A falta de água? Na rodoviária de João Pessoa subiu uma mãe e uma filha com um vestido tomara que caia. As duas tinham como destino Maceió, e estavam a procura do pai e marido que havia vendido a casa e sumido com o dinheiro. Quando desceram o cearense acompanhou a filha com olhar até sumir de vista. Ficou olhando aquele olhar e pensou em seu pai cearense como ele e entendeu mais ainda a cultura do flerte da paquera do acumulo de mulheres ao longo da vida, da vida desregrada, da pouca vergonha e a origem do câncer de próstata. Pensou também naquele homem que ficou lá em Capim Macio no olhar que deu em seu quadril. Podia escrever bunda? Pois é foi ali que seus olhos azuis esbranquiçados se fixaram enquanto se dirigiam ao elevador no primeiro dia de sua chegada... Sentiu vontade de vomitar...
O ônibus fez o caminho do mar e ela teve o privilegio de admirar uma paisagem estonteante. Mas foi em São Miguel dos Campos/AL que entraram duas pessoas, Suzana e seu padrasto que iriam mudar o seu trajeto o fascínio e a importância daquela viagem. Iam para Quebrângulo visitar o avô que estava doente. Quando disseram Quebrângulo, seu coração pulou. A cidade de Graciliano Ramos!