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Crônica de Mim Mesma

A manhã despe-se à minha volta. Uma nesga de sol espreguiça-se no balouçar da cortina, tentando talvez aquecer o frio de uma ternura, que não se faz esquecida, mesmo no cansaço do olhar.

O calendário anuncia mais um outono. Há no peito um sentimento que farfalha, ignorando todas as estações. Na brisa do amanhecer, uma esperança qualquer, que não se despede do meu olhar, embora todas as impossibilidades acenem nãos e senões.

Em algum lugar dentro de mim, ainda mora um sonho, como se sobrevivesse para escrever outra vez, capítulos da minha história lavrada pela eloquência da realidade e pelos ditames da razão.

Não me chega o tempo da quietude. Deserdaram-me a serenidade e a pretensa calmaria, tão anunciada com o advento da tal maturidade. Meus passos nunca reconheceram o caminho que apenas impõe o seguir em frente. Já nem sei, se chegar era meu objetivo precípuo. O que há e o que se faz, quando se cruza a linha de chegada?

Empilha-se mais um troféu na prateleira das nossas conquistas? Onde ficam as tantas pequenas vitórias que se saboreiam no decorrer de cada percurso, mesmo quando não se vence, se nos ensinaram que apenas é ganhador aquele que chega primeiro? Como relatar ao mundo, o momento que me detive em meu trilhar, observando apenas o acariciar do vento nas pétalas de uma flor?

Como contabilizar isto em perda de tempo, se sequer imaginam os arrepios do meu olhar ou os sorrisos de prazer que aquela imagem me propiciou? Talvez, acusem-me de distraída e inadequada ao momento, que exigia que eu apenas continuasse e que subisse ao pódio. Era isto que esperavam de mim: vencer.

Outros ainda dirão que estou fora do padrão estabelecido pelas regras da sobrevivência. Ah, neste aspecto errei a vida inteira. Pequei sempre, quando preferi não tropeçar em meu sentir e escutei o pulsar do meu coração, não somente para constatar que eu vivia. Sempre fui amadora nestes rituais, em que se sacrificam as emoções. Onde a normalidade, quando se põe amarras no peito, calando o som de uma carícia?

Nunca compreendi histórias lineares, reações exatas ou gestos estudados. Bem que tentei aprender a disfarçar minha insegurança, o frio no estômago ou o rubor repentino, quando exposta ao espelho do cotidiano. Em quase todas as tentativas neste sentido, falhei. Talvez por isto, tenha me desencontrado muitas vezes de tantas pessoas.

Nunca amordacei minhas saudades, nem meu romantismo à flor da pele...sempre despi minhas máscaras, porque era em outro olhar, que eu desejava também encontrar-me e reconhecer-me. Mas meu olhar despido, vezes causou estranheza e constrangimento. Vezes, indiferença e tolos julgamentos.

Minhas palavras nunca souberam esconder o segredo de um amor, quando me habitava o corpo, a alma, o sonho. Nunca entendi, o porquê da grande maioria das pessoas entulharem tantos nós no coração. Se ainda fosse o pronome pessoal, mas não! Falo dos fios e, em alguns casos de verdadeiras cordas com amarrações complexas, que nem as próprias mãos sabem ou se dispõem a desatar.

E eu, com esta mania esquisita de falar do que sinto pelos lábios, mãos e olhares. E eu, com esta forma estranha de dar reconhecimento do que sinto e por quem sinto. Sempre foi inútil querer silenciar minhas confissões, mesmo se questionada sobre a certeza de um amor. Como se o amor tivesse que ser testado, discutido, dimensionado, adverbalizado e não apenas sentido.

Parece que saber de sua existência não basta. Tem que ter certificado de garantia, manual de instruções e, se bobear até posologia. Talvez seja por isto que grande parte de nós, sequer desconfie o que é viver um grande amor.

A noção mais próxima deste sentimento fica ladeando as histórias que nos contam, como as vividas por Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda e tantas outras ou nos livros de poemas que lemos no decorrer de nossas vidas.

De uma forma ou de outra, a expressão do que sinto fica meio desajeitada neste mundo. E como se não bastasse, ainda flagrei-me a poetisa. Mas quase sempre, a palavra ainda me parece pouca para compreender minha ignorância no universo da emoção.

Minha essência é mesmo desnuda. Coração exposto e sem labirintos. Ainda prefiro a minha ternura boba, um perfume de saudade em meu travesseiro, a minha voz entregue para as estrelas, do que viver desabitada de mim mesma.

Olimpia Souza