O instrutor de pássaros,
Augusto Vicente
Certa vez, um pai e seu filho admiravam uns pássaros no jardim.
-Aquilo são pássaros?
-Sim! Responde o pai.
-Eu também sou pássaro?
-Sim! Tu vais se tornar um belo e sonhador pássaro!
-Eu vou voar igual a eles?
-Vai sim, filho! A vida é uma espécie de orquestra na qual somos pássaros batendo as asas e assobiando.
-Mas eu não tenho bico para cantar, papai. Se eu agitar minhas mãos, eu vou voar?
-Deves aprender a cantar com os olhos e voar com a mente.
- O que é a mente?
- Nossa maior aliada. Ela dispõe de uma caixinha na qual são guardados todos os nossos sonhos.
- Para que servem os sonhos?
- Para voarmos.
- Como que eu aprendo a cantar com os olhos?
- Amando.
- Veja pai! Aquele filhotinho não conseguiu voar! Vai cair no chão! A mente dele está com defeito?
- Só se ele não tentar de novo.
- Mas todos eles estão retornando para o alto da árvore e tentando voar de novo.
- Pois é. Cumprir nossa missão na Terra deveria ser instintivo. Mas os homens se apavoram diante do fracasso. Ou simplesmente não sabem lidar com ele.
- Não quero ser homem! Quero ser passarinho! Pai, quando eu crescer, posso ser um passarinho?
- Tu vais poder ser o que quiseres!
- Estou notando que a aquele pássaro maior ali na árvore está empurrando os pequeninos. O senhor também vai mim empurrar de cima do nosso telhado?
- Humanos não devem se empurrar, filho. Devem se abraçar. São os abraços dos pais que impulsionam os filhos a entender seus medos e a superar os fracassos.
- Não entendo direito o que o senhor fala. Porém, sinto que todas as vezes que cometo um erro, não fico muito tempo triste. Você conversa comigo e de repente, uma sensação de sufoco desaparece daqui do meu peito. A partir daí tudo fica mais fácil dentro de minha cabeça. Fico sentindo uma alegria muito grande dentro mim.
- É que no momento que erraste, eu ti amei.
- Já sei! Você cantou uma cantiga com os olhos!
- Exatamente filho! Cantei uma melodia tão bela quanto esta que estamos ouvindo dos pássaros.
- Pai! Aquele passarinho, bem ali, não está mais conseguindo retornar ao ninho! Não está conseguindo voar! Ele caiu e parece que está machucado!
- Às vezes filho, a gente se machuca. Quando nos ferimos, precisamos de repouso, assim como aquele pássaro que vai ficar um pouco em terra firme.
- Por que ele precisa ficar na terra? Ela não é a mãe dele.
- Não! Mas algumas páginas do manual dos céus estão na terra.
- Como assim?
- Tu vais ser um corajoso pássaro. Vais expressar tuas habilidades através de teu canto e vôo. Porém, algum dia tu vais se machucar.
- Por quê?
- Porque meninos-passarinho sempre se machucam.
- Vou ficar caído no chão?
- Viver no solo não deve ser o propósito de vida de um pássaro.
- Então eu vou voltar a voar?
- Sim!
- Mesmo que minhas asinhas se quebrem?
- As asas da emoção são as responsáveis pelo nosso retorno aos céus.
- E elas são muito fortes?
- É na terra que encontramos materiais resistentes para reforçarmos as asas da emoção.
- Então a terra não é tão ruim. Não existem perigos aqui embaixo.
- Pássaros podem se tornar vítimas das serpentes da terra.
- O que elas fazem?
- Aprisionam nossa emoção. Lançam um veneno que enfraquece as asas dos pássaros.
- E esse veneno tem cura?
- Sim. Podemos curar os ferimentos com música e cores.
- Então vou começar a bater meu tambor e pintar o sete!
- O instrumento é teu, filho, mas a música deve ser cantada por outro pássaro. Devem estar bem afinados.
- E as cores?
- Tu deves usar uma aquarela.
- Eu até tenho uma que o senhor mim deu uma vez. Mas as tintas estavam duras!
- Deves então amolecer as tintas. Tu podes aparar água em teus olhos.
- Vou ter que chorar?
- Não. Tu podes usar a água de um poço. A entrada dele são teus olhos. Mas alguém vai precisar guiar um recipiente até o líquido.
- Estou um pouco confuso! Mas entendo que todas as vezes que mim interesso em conhecer alguém, ou quero aprender alguma coisa nova, mim sinto nas nuvens. Isso sim é que é voar!
- Vamos entrando passarinho?
A criança retorna para o lar e de repente o pai se sente iluminado e leve. Ouve então uma voz:
- Um maestro talentoso percebe certos valores nas pessoas, os quais são inerentes à singularidade e são o pólo de desenvolvimento dos papeis na vida, sejam eles o de pai, mãe, profissional, não importa. O maestro, bom mesmo, é dotado da harmonia gerada do caos que rege a orquestra interna pela qual se faz existir de elementos vivos, lembranças e instrumentos que tocam no inconsciente. Esses maestros reproduzem boas ações, reconhecendo em nós, músicos já não tão errantes, o gérmen do seu trabalho.
Maestro! Aplaudimos-te, não de pé, mas de coração, pois é respeitoso esse teu comportamento.