Como explicar o AMOR
douglas
Contam que, uma vez, se reuniram os sentimentos e
qualidades dos homens em um lugar da terra.
Quando o ABORRECIMENTO havia reclamado pela terceira
vez, a LOUCURA, como sempre tão louca, lhes propôs:
- Vamos brincar de esconde-esconde?
A INTRIGA levantou a sobrancelha intrigada e a
CURIOSIDADE, sem poder conter-se, perguntou:
Esconde-esconde? Como é isso?
- É um jogo, explicou a LOUCURA, em que eu fecho os
olhos e começo a contar de um a um milhão enquanto
vocês se escondem, e quando eu tiver terminado de contar,
o primeiro de vocês que eu encontrar ocupará meu lugar
para continuar o jogo. O ENTUSIASMO dançou seguido
pela EUFORIA.
A ALEGRIA deu tantos saltos que acabou convencendo a
DÚVIDA e até mesmo a APATIA, que nunca se interessava
por nada.
Mas nem todos quiseram participar.
A VERDADE preferiu não esconder-se, para quê? Se no final
todos a encontravam?
A SOBERBA opinou que era um jogo muito tonto (no fundo
o que a incomodava era que a ideia não tivesse sido dela) e
a COVARDIA preferiu não arriscar-se.
- Um, dois, três, quatro... - começou a contar a LOUCURA.
A primeira a esconder-se foi a PRESSA, que como sempre
caiu atrás da primeira pedra do caminho.
A FÉ subiu ao céu e a INVEJA se escondeu atrás da sombra
do TRIUNFO, que com seu próprio esforço, tinha conseguido
subir na copa da árvore mais alta.
A GENEROSIDADE quase não consegue esconder-se, pois cada
local que encontrava lhe parecia maravilhoso para algum
de seus amigos - se era um lago cristalino, ideal para a
BELEZA; se era a copa de uma árvore, perfeito para a
TIMIDEZ; se era o voo de uma borboleta, o melhor para
a VOLÚPIA; se era uma rajada de vento, magnífico para
a LIBERDADE. E assim, acabou escondendo-se em um raio
de sol.
O EGOÍSMO, ao contrário, encontrou um local muito bom
desde o início. Ventilado, cómodo, mas apenas para ele.
A MENTIRA escondeu-se no fundo do oceano (mentira, na
realidade, escondeu-se atrás do arco-íris), e a PAIXÃO e o
DESEJO, no centro dos vulcões.
O ESQUECIMENTO, não recordo-me onde escondeu-se,
mas isso não é o mais importante.
Quando a LOUCURA estava lá pelo 999.999, o AMOR ainda
não havia encontrado um local para esconder-se, pois
todos já estavam ocupados, até que encontrou um roseiral e,
carinhosamente, decidiu esconder-se entre suas flores.
- Um milhão - contou a LOUCURA, e começou a busca.
A primeira a aparecer foi a PRESSA, apenas a três passos de
uma pedra. Depois, escutou-se a FÉ discutindo com Deus no
céu sobre zoologia.
Sentiu-se vibrar a PAIXÃO e o DESEJO nos vulcões.
Em um descuido encontrou a INVEJA, e claro, pode deduzir
onde estava o TRIUNFO.
O EGOÍSMO, não teve nem que procurá-lo. Ele sozinho saiu
disparado de seu esconderijo, que na verdade era um ninho
de vespas.
De tanto caminhar, a LOUCURA sentiu sede, e ao aproximar-se
de um lago descobriu a BELEZA.
A DÚVIDA foi mais fácil ainda, pois a encontrou sentada sobre
uma cerca sem decidir de que lado esconder-se.
E assim foi encontrando a todos.
O TALENTO entre a erva fresca; a ANGÚSTIA em uma cova
escura;
a MENTIRA atrás do arco-íris (mentira, estava no fundo do
oceano);
e até o ESQUECIMENTO, a quem já havia esquecido que
estava brincando de esconde-esconde.
Apenas o AMOR não aparecia em nenhum local.
A LOUCURA procurou atrás de cada árvore, em baixo de
cada rocha do planeta, e em cima das montanhas.
Quando estava a ponto de dar-se por vencida, encontrou um
roseiral.
Pegou uma forquilha e começou a mover os ramos, quando no
mesmo instante, escutou-se um doloroso grito.
Os espinhos tinham ferido o AMOR nos olhos.
A LOUCURA não sabia o que fazer para desculpar-se chorou,
rezou, implorou, pediu perdão e até prometeu ser seu guia.
Desde então, desde que pela primeira vez se brincou de
esconde-esconde na terra: O AMOR é cego e a LOUCURA
sempre o acompanha.