A quem devo invocar se já não creio
Valter da Rosa Borges
em tudo o que foi dito e revelado?
A dúvida é forte como a fé
e se sustenta no seu próprio vácuo.
E nem creio sequer em minha dúvida,
porque tudo o que é crido é construído
dos nossos medos e fragilidades.
Deus não é a dor justificada,
o prêmio e o castigo além do túmulo,
mas tudo o que não pode ser descrito
nem humanamente compreendido.
Ser humano que sou, não sei que humano
possa exceder à sua condição
e revelar mistérios que não passam
de criações da carne atormentada.
A crença é a ilusão,
Valter da Rosa Borges
que nos sustenta no mundo
e sustenta o próprio mundo.
Tudo é um ato de fé.
E a fé, que tudo sustenta,
é também insustentável
alicerce assentado
sobre o solo do vazio.
Onde está o chão do mundo?
Tortura tecnológica
Valter da Rosa Borges
para manter quase vivo
o que quase morto está.
Matar ou morrer em nome de Deus é a mais perigosa de todas as psicoses coletivas da humanidade.
Valter da Rosa Borges
É perigoso alguém tornar-se um mito, pois perderá o direito de errar.
Valter da Rosa Borges
É uma infelicidade a ânsia de ser feliz.
Valter da Rosa Borges
O presente nunca é puro:
Valter da Rosa Borges
há sempre as nódoas do passado.
Só somos uma vez e nunca mais:
Valter da Rosa Borges
não há repetições na Natureza.
Não se confunda o som com o seu eco.
Os fantasmas são ecos que assombram
os ouvidos sensíveis da saudade.
O que chamamos de real é o nosso relacionamento com os outros, a experiência comum, a vida partilhada. A essa fase de nossa mente denominamos de consciência.
Valter da Rosa Borges
O sonho é, também, um tipo de consciência que não resulta inteiramente das nossas relações com o mundo exterior.
A consciência vigílica nos dá o ser social. A consciência onírica nos dá um ser ina-
preensível pelos padrões da consciência vígil.
O que é a alucinação, senão um conteúdo onírico objetivado? O sonho não é apenas a explicação simbólica dos nossos recalques: é uma atividade autônoma da mente.
Não será a loucura um sonho de que não se acorda? Um sonho com a aparência de vigília? Os hipnotizados também dão a impressão de que estar conscientes das coisas que os rodeiam.
Vigília é a vida psíquica seletiva. O sonho, parece-nos, é vida psíquica total. O fluxo psíquico entre as mentes parece incessante e a vigília nada mais é do que uma interrupção desse fluxo. O nosso eu é uma perturbação desse processo psíquico total.
Observou-se que o estado de plena vigília não dura mais que um minuto ou dois por hora. Assim, as nossas distrações ou "fugas" da realidade externa são mais freqüentes do que pensamos. Há pessoas que, por deficiência da censura ou controle do ego, permanece, por tempo muito longo, no mundo do sonho. A sua vida vigílica se torna, assim, um hiato no seu universo onírico.
Há um universo psíquico paralelo ao universo físico. Uma forma de percepção que não recolhe seu material do mundo físico, embora manipule com os dados desse universo. Contudo, as experiências do mundo psíquico nem sempre coincidem com as do mundo físico. Há um outro eu, movimentando situações e pessoas que não conhecemos na vida vigílica.
Brotamos de Deus
Valter da Rosa Borges
como as flores, folhas e frutos
brotam da árvore.
Todos são e não são a árvore.
Todos somos e não somos Deus.
Somos Deus brotando
de Si mesmo.
Deus é a loucura da razão
Valter da Rosa Borges
e a exaltada mística
da incompreensão.
Os átomos se fizeram homens
Valter da Rosa Borges
para se conhecerem a si mesmos
e tudo o mais que fizeram.
Como homens, pensam que Deus
foi o criador de tudo.
Os átomos enlouqueceram?
Poucos resistem ao fascínio de obter sucesso, e ao fascínio do sucesso, quando obtido.
Valter da Rosa Borges
O esquecimento é maior que a morte,
Valter da Rosa Borges
porque termina o que a morte começou.
As pessoas morrem duas vezes: morrem no corpo e na memória dos vivos.
Valter da Rosa Borges
Há pessoas cujo cepticismo é uma neurose. A negação sistemática constitui a forma de afirmação de sua personalidade. Negar sempre, mesmo contra todas as evidências, desconfiar de tudo, menos do seu julgamento, é o orgasmo da sua paranóia.
Valter da Rosa Borges
Há alguns que ainda vão mais além, e declaram que nem siquer confiam no seu próprio discernimento. Mas, apesar disso, se consideram o dono único e absoluto da verdade.
Ouvi-los sobre qualquer assunto, não é apenas uma perda de tempo, mas um sacrifício inútil que impomos a nós mesmos.
Se estamos onde pensamos,
Valter da Rosa Borges
o que fazemos no corpo
tão lerdo e tão pesado?
Que gravidade nos prende,
se somos feitos de vácuo?
Se, pensando, somos corpo
aéreo e ilimitado,
por que este corpo de carne
segurando as nossas asas?!
Escreve-se por escrever,
Valter da Rosa Borges
para brincar com palavras
e inventar absurdos -
importa que sejam belos
ou arrepiem a lógica -
e frases que sejam coisas
diferentes das comuns.
Inventar novas palavras
de semântica imprevista.
Escrever como quem brinca
de desarrumar as coisas
e arrumá-las de outro jeito.
Palavras e só palavras.
Neste caos fraseológico
que mundo pode eclodir?
Escrever é uma forma
Valter da Rosa Borges
de deixar a nossa alma
preservada nas palavras,
no corpo de cada livro,
fazendo parte da mente
das pessoas que nos lêem.
Quem escreve, clona a alma.
DOS VAIDOSOS
Valter da Rosa Borges
Tudo fazem para aparecer.
Ou fingem se esconder
para que sejam achados.
Deus é espaço e tempo,
Valter da Rosa Borges
infinito e eternidade.
Nascimento, mudança, morte
e renascimento de tudo.
Deus não é para ser achado.
Valter da Rosa Borges
Porque achamos que Deus
é isso ou não é aquilo,
ficamos na ilusão
de O ter achado.
Somente um Deus antropomórfico e cruel se rejubilaria com o aviltamento e sofrimento voluntários das pessoas que pensam, com isso, glorificá-lo. Eis uma divina relação sadomasoquista entre um Deus vaidoso e essas criaturas ingênuas.
Valter da Rosa Borges
O homem inventou a igualdade.
Valter da Rosa Borges
Na natureza tudo é desigual.
A perfeição é invenção geométrica.
A ordem do mundo é o caos mutante.
A criação é sempre nova:
só acontece uma vez.
Se você aprender a ver
nunca mais dirá que o mundo
é o mesmo o tempo todo.
Quem ora a Deus,
Valter da Rosa Borges
ora a si mesmo.
E faz milagres
como um Deus finito.