O sonho é o nosso modo
Valter da Rosa Borges
de caminhar sem o corpo.
O corpo pouco nos leva:
somos nós que o arrastamos.
Queremos ver mais que os olhos,
ouvir mais que os ouvidos,
e exercer a onipresença,
em qualquer lugar do mundo.
O silêncio também é voz.
Valter da Rosa Borges
É aquilo que não foi dito,
porque, se dito, era pouco.
O silêncio não se mede
pela medida da frase.
Excede qualquer semântica.
Não é dicionarizável.
No princípio era o verbo,
mas antes dele o silêncio,
anterior ao princípio.
O livre-pensador é visto como um perigoso inimigo do rebanho humano.
Valter da Rosa Borges
Pior que o amor perdido
Valter da Rosa Borges
é o amor que não foi dado.
Estamos além dos átomos
Valter da Rosa Borges
e de todas as galáxias.
Somos a linha ilusória,
que separa em dois o infinito.
Deus não está
Valter da Rosa Borges
próximo nem longe de nós:
Ele simplesmente está.
O infinito nos priva
Valter da Rosa Borges
da emoção de chegar.
Somente o que é finito
tem início, meio e fim.
O infinito é caminho,
que não termina ou começa
em qualquer tempo e lugar.
A verdadeira oração se dirige
Valter da Rosa Borges
ao Deus que é aquele que ora.
Conversar com Deus é dialogar
com o mais íntimo de nós.
O ódio é nosso grilhão: o fantasma cultivado do que já não mais existe.
Valter da Rosa Borges
Como duas partículas
Valter da Rosa Borges
no universo quântico,
um dia, nos encontramos
pelos acasos do amor.
Embora nos separemos
e nunca mais nos vejamos,
estaremos sempre em contato
em qualquer lugar do infinito.
Essa não-localidade
(o amor também é quântico)
une todas as partículas
e corações no universo.
O espaço dos que se amam
ocupa todo o infinito.
Valter da Rosa Borges
Outrora, essa rua era
Valter da Rosa Borges
um enorme e denso silêncio.
Muitas árvores.Poucas pessoas.
Porém, o rio do barulho urbano
invadiu a rua e as casas.
E o silêncio se foi na correnteza
para nunca mais ser escutado.
Nascemos de uma explosão:
Valter da Rosa Borges
átomo ou ovo primordial
a miniatura do nada.
Espaço, tempo, matéria
e o infinito num ponto.
Onde é que Deus estava
nesta singularidade?
O sábio, quanto mais sabe, mais se isola. A sua convivência com as outras pessoas é sempre superficial. Porém isso não o torna um misantropo. Pelo contrário: ele é afável com as pessoas, mas só se relaciona com elas em assuntos triviais. Embora acostumado às profundezas, ele sabe, nos momentos necessários, subir à superfície e até mesmo divertir-se com as pessoas comuns.
Valter da Rosa Borges
O saber confere erudição. Mas só a compreensão transforma o vasto saber em sabedoria.
Valter da Rosa Borges
A ética se imporá naturalmente, quando compreendermos que ela é indispensável à sobrevivência da sociedade.
Valter da Rosa Borges
Dói pensar no infinito.
Valter da Rosa Borges
Dói pensar na eternidade.
Masoquismo cognitivo,
obsessão incurável,
que o tempo não alivia
e só na morte se acaba.
Quem anseia pelo aplauso do povo, mesmo que seja um erudito, não é um sábio. O sábio não busca a aprovação popular.
Valter da Rosa Borges
Tudo não pára de viver,
Valter da Rosa Borges
tudo não pára de morrer.
Eis a imortalidade!
Aquele que envelheceu,
Valter da Rosa Borges
não sonha mais impossíveis.
Conformado e conformista,
o mundo é o seu cansaço.
Ele é o que já foi
e o futuro será igual.
O passado que não existe
habita o presente morto.
Envelhecemos quando o que fomos
é maior do que o que somos.
A inveja é um desejo paralítico, que não suporta e ambição bem sucedida.
Valter da Rosa Borges
Quem se apega ao que foi, carrega um cadáver às costas.
Valter da Rosa Borges
Quem necessita de admiradores, não tem suficiente admiração por si mesmo.
Valter da Rosa Borges
Ninguém se sacrifica por fazer o que gosta.
Valter da Rosa Borges
Sofrer é fazer o que não se quer.
Para quem faz o que não quer, até uma flor é pesada.
O futuro é o próximo ato,
Valter da Rosa Borges
o próximo passo,
o próximo fato.
Ele existe enquanto não existe
e morre logo que se torna hoje.
Um inimigo visível pode ser vigiado.
Valter da Rosa Borges
Um inimigo invisível nos vigia.