Santificaram a pobreza.
Valter da Rosa Borges
Mas muitos pobres preferem
a riqueza à santidade.
Satanizaram a riqueza.
Mas os ricos não se importam
se sua riqueza é satânica.
A arte é uma sedução que seduz o próprio sedutor.
Valter da Rosa Borges
Porque ainda somos cegos,
Valter da Rosa Borges
tateamos deuses falsos.
A bengala é falso guia.
A fé devolve a visão
e permite ver o mundo
além do mundo trilhado
pela bengala dos cegos.
Nascidos do orgasmo
Valter da Rosa Borges
de um só ou de dois,
não sabemos o antes
e nem o depois.
No tempo intermédio
vivemos sonâmbulos
(ou somos funâmbulos?).
No mundo sem rumo,
na vida sem prumo,
vagando sem bússola,
destino é viagem
sem fim nem começo.
O tempo se esgota,
o corpo se acaba
e se algo prossegue
por onde ele vaga?
Quem é humilde, não busca, voluntariamente, a humilhação, mas se sujeita à humilhação, que lhe é imposta.
Valter da Rosa Borges
Há, no entanto, os que se humilham para satisfazer a vaidade de parecerem humildes.
Ordem e desordem, portanto, são conceitos funcionais. Caos, para o homem, é tudo aquilo que não se ajusta aos seus padrões de ordem, a esquemas perceptuais inatos ou ad-quiridos.
Valter da Rosa Borges
O caos não existe em si, mas referenciado a um dado sistema. Pensamos que a natu-reza é paradoxal, porque acreditamos na repetibilidade absoluta das coisas. Pensamos que só é verdadeiro aquilo que se repete.
Se o homem permanecer durante algum tempo naquilo que ele denomina de caos, em breve descobrirá uma ordem no caos. A ordem é hábito.
Se o infinito não tem lado de fora,
Valter da Rosa Borges
como se pode entender algo sem fora?
Só há uma lei universal: a de que existem leis e que estas variam em universos diferentes.
Valter da Rosa Borges
Leis podem variar, mas sempre existem leis - esta é a lei.
Porque vemos as coisas acontecerem da mesma maneira, acreditamos que elas sempre acontecerão assim para sempre. A esta nossa crença demos o nome de leis da natureza.
Odeia-se aquele que é livre,
Valter da Rosa Borges
porque perturba o descanso
das pessoas rotineiras.
O louco é insuportável,
porque vive perdido
na liberdade total.
Um dia, volveremos ao infinito.
Valter da Rosa Borges
Onde estaremos? E o que seremos?
O nada do infinito não responde,
pois não há ninguém para escutar.
A obscuridade e a prolixidade de certos filósofos lhes conferem uma aura de superioridade intelectual.
Valter da Rosa Borges
Aonde vai quem morreu,
Valter da Rosa Borges
quando o seu onde perdeu?
Onde está quem não está
seja aqui ou seja lá?
Se o quem se fez invisível,
agora é carne impossível,
sem onde e quando, desfeito
no nada de que foi feito.
Não me dói o que perdi,
Valter da Rosa Borges
pois tive o prazer de ter.
Dói-me tudo o que não tive
e o quanto não pude ser.
Um vazio pulsante é o que somos,
Valter da Rosa Borges
vivendo na ilusão da solidez.
Matéria são vazios que colidem.
As formas são momentos do vazio.
Tudo é mudança.
Mas, o que dirige
a universal mudança do vazio?
Um vazio pulsante é o que somos,
Valter da Rosa Borges
vivendo na ilusão da solidez.
Matéria são vazios que colidem.
As formas são momentos do vazio.
Tudo é mudança.
Mas, o que dirige
a universal mudança no Vazio?
Máscaras de Deus, só existimos,
Valter da Rosa Borges
enquanto Deus em nós se representa.
O Bem e o Mal são condições do palco
e cessam ao término do espetáculo.
O pecado é pensar que existimos
nos papéis que nos foram destinados.
No pior vilão, no excelso herói,
o mesmo Deus se exalta como ator.
Quem procura sempre agradar, esquece de se agradar.
Valter da Rosa Borges
Quarto de hotel é promíscuo.
Valter da Rosa Borges
Por mais que seja limpo
por zelosas faxineiras,
permanece sempre o cisco
de emoções e pensamentos
de seus hóspedes fugazes,
nos lençóis, nos travesseiros,
nas fronhas, mesmo lavados,
diligentemente trocados,
no chão e no guarda-roupa,
na cama e nas cadeiras.
Nos cabides pendurados
problemas ali deixados
e também mágoas dormidas
fedendo nos cobertores.
A lógica não é o metro da realidade. É uma atividade pragmática do espirito e limitada a uma determinada área operacional.
Valter da Rosa Borges
A lógica não apreende o real. Não está nas coisas, pois se constituí em mera atividade do espirito. Nem prova o real, embora demonstre que certos fatos aparentemente se comportam segundo seu modelo. Por isso, somos inclinados a admitir que os fatos que acontecem segundo a nossa lógica são reais e os que assim não se comportam são ilusões.
A lógica, por outro lado, tem uma função psicológica: dá ao homem o sentimento de
controle sobre os fatos. Daí o seu apego a tudo o que é lógico, pois a lógica lhe dá uma sensação de segurança e poder. A lei da causalidade se torna, assim, de importância fundamental para o homem: é a certeza de sua capacidade de controle sobre as coisas. Explicar é uma tentativa que lhe proporciona um sentimento vicário de dominar situações. Por isso, o homem é tentado a explicar tudo para se sentir senhor dos fatos.
O que não serve para nós
Valter da Rosa Borges
apenas não nos serve.
Quem percebe
a totalidade
sabe que nada é inútil,
e que as coisas existem
sem explicação.
Se tudo tem um sentido,
qual o sentido do homem,
da flor, da pulga, da estrela?
Deus será sempre
Valter da Rosa Borges
a única pergunta
sem resposta.
A consciência sustenta
Valter da Rosa Borges
o corpo, o tempo e o espaço.
O que sustenta a consciência?
Quando penso que sou eu,
Valter da Rosa Borges
esqueço-me de que sou Deus.
Mas, quando me acordo Deus,
descubro que nunca fui.