Os edifícios residenciais
Valter da Rosa Borges
são como pombais sem aves.
Alguns parecem mosteiros,
outros, prisão domiciliar.
Ninguém se sente vizinho.
É difícil aceitar
Valter da Rosa Borges
a face escura de Deus.
Raríssimos são aqueles
que o conseguem.
E os que se tornam
a face escura de Deus?
Como as pessoas comuns
poderão compreendê-los?
Por que alguém nos deve fazer felizes?
Valter da Rosa Borges
Se não nos fizermos felizes, ninguém mais no mundo poderá fazê-lo.
Na pulsação do universo
Valter da Rosa Borges
somos seres pensantes
entre os seres que pulsam
nas suas formas instáveis.
O que pensam os outros seres,
que pulsam no universo?
O louco é insuportável,
Valter da Rosa Borges
porque vive perdido
na liberdade total.
Deus não tem face.
Valter da Rosa Borges
Ele é a face
de todas as coisas.
Pior que o amor perdido
Valter da Rosa Borges
é o amor que não foi dado
e tudo o que não foi gasto
no tempo que era devido.
Deus olha pelos meus olhos
Valter da Rosa Borges
as obras que Ele fez.
Escuta por meus ouvidos
todos os sons que criou.
Saboreia com meu corpo
o prazer de ser a Vida.
Ele me fez Seu sentir,
um Seu modo original
de Seus infinitos modos
em tudo quanto se fez.
Deus não é
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o que pensamos,
mas quando não
O pensamos.
O real nos parece um fluxo e no fluxo não há modelos. Daí, a eterna controvérsia dos que admitem, como Heráclito, que o fluxo ou devir é a realidade e dos que entendem, como Parmênides, que o real é imutável e o devir é aparência. Os modelos, portanto, são nossas formas perceptuais e transitórias de apreender, a cada momento, o fluxo. Assim, cada forma perceptual do fluxo só é real em relação ao percebedor no momento da percepção e só se torna aparência ou Maya se prossegue além da percepção.
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O real é o agora. O agora é sempre inédito. Quem vê, não precisa de palavras, pois só se fala para aqueles que não viram. E o que se diz, já não é: o presente é mais rápido que o laço da palavra. Por isso, quem fala, não vê, porque, se fala, fala do que já não vê. O eu não existe no presente: surge, quando a experiência já terminou. O eu é o passado.
Cada percepção do real é única e irrepetível. Jamais saberemos o que perdemos, ja-
mais repetiremos o que experimentamos. A riqueza do viver não consiste na acumulação do vivido, mas na capacidade de viver plenamente o momento que passa. Nenhuma experiência deve deixar restos ou saldos, pois eles deformam as novas percepções da realidade.
Há uma verdade absoluta: a que cada um tem a sua própria verdade.
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Há pessoas, no entanto, que vivem à procura da verdade nos outros. E há outras que procuram impor sua verdade aos outros.
Umas querem ser escravizadas. Outras querem escravizar.
Quem precisa de senhor, tem vocação de escravo.
Quem escraviza, precisa de escravos.
E se precisa de escravos, é porque não alcançou a liberdade.
O vento sabe todos os caminhos,
Valter da Rosa Borges
mas não deixa seus rastros nas areias.
O instante sem fim
Valter da Rosa Borges
é aquela experiência
que enquanto dura parece
ser o êxtase da eternidade.
Os livros estão extinguindo
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as árvores.
Temos livros de mais
e árvores de menos.
Na infância, os olhos límpidos
Valter da Rosa Borges
vêem o mundo claramente
sem a catarata do tempo.
A fé no visto e no sonho.
A vida maior que a morte.
O corpo livre do peso
do vivido e não vivido,
do perdido e do não gasto.
Na velhice, os olhos turvos,
a opacidade do mundo,
a fé no que não se vê,
a morte maior que a vida,
recordações (e não sonhos),
algumas já desbotadas
ou outras reinventadas,
e as sensações prazerosas,
que o corpo já esqueceu.
Quando você sofrer, há sempre um remédio:
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Ou você se acostuma ou se anestesia.
Não faça da dor um pretexto, castigo ou purificação.
A dor é um fato e só. Merece medicação e não explicação.
A dor é uma visita incômoda. Por que pensar por que ela veio? Já não basta o próprio doer?
Só nos cabe em tais momentos nos livrar deste incômodo.
Não há explicação para a alegria,
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nem nos interessa explicá-la.
Porém, a doença, o sofrimento,
a velhice e a morte inevitável
nos fazem pensar que a vida
tem alguma explicação.
O que Deus faz,
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faz a Si mesmo,
porque tudo é Ele.
A fé é a vontade que se fez poder.
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É também uma forma de perceber a realidade.
Não há uma razão para a fé: ela é a sua própria razão.
A fé é o recurso extraordinário do homem para resolver problemas que a razão não consegue.
A dúvida é forte como a fé
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e se sustenta no seu próprio vácuo.
Os mistérios são alucinógenos.
Valter da Rosa Borges
A mística é a embriaguês
de quem provou o infinito.
A felicidade não se guarda:
Valter da Rosa Borges
é para consumo imediato.
Quem morre, não sonha mais:
Valter da Rosa Borges
agora é sonho dos outros.
Por causa dos nossos olhos
Valter da Rosa Borges
O mundo é cheio de cores.
E por causa dos ouvidos
O mundo é cheio de sons.
Se as pessoas, de repente,
ficassem cegas e surdas,
o mundo teria cores,
o mundo teria sons?
Quem o testemunharia?
Há doentes que fazem de sua enfermidade uma forma eficaz de domínio sobre as pessoas, aprisionando-as nas cadeias da comiseração.
Valter da Rosa Borges