O passarinho engaiolado
Rubem Alves
Dentro de uma linda gaiola vivia um passarinho. Sua vida era segura e tranqüila. Tranqüilidade e segurança: coisas que todos desejam.
Barco ancorado não naufraga. Avião em hangar não cai.
Para viver em segurança as pessoas constroem gaiolas e passam a viver dentro delas. Dentro das gaiolas não há perigos. Só há monotonia. Todo dia a mesma coisa. Tudo o que acontece todo dia do mesmo jeito é chato. Esse é o preço da segurança: a chatice. Dentro da gaiola não há muito que fazer, seja ela feita com arames de ferro ou com deveres. Os sonhos de aventuras selvagens aparecem, mas, logo que vêem os arames, morrem.
Alguns, malvados, furam os olhos dos pássaros engaiolados. Dizem que pássaro de olho furado canta mais bonito. Talvez, cegos, eles se esqueçam de que estão presos numa gaiola. Mas, mesmo que não estivessem, de que lhes adiantaria ter asas para voar se não têm olhos para ver? Sua cegueira é a sua gaiola. Há muitas pessoas assim: parecem ter olhos normais, parecem ver tudo. Na verdade nada vêem, a não ser o seu mundinho. Sua cegueira é a sua gaiola.
O nosso amigo, passarinho engaiolado, bem se lembrava do dia em que, enganado pelo alpiste tentador, saboroso, entrou no alçapão. Alçapões são assim: têm sempre uma coisa apetitosa dentro. Mas basta que a coisa apetitosa seja bicada para que a porta se feche para sempre, até que a morte a abra...
Na porta da gaiola estava escrita uma frase famosa, de um poeta famoso, dante alighieri:
¿deixai toda a esperança vós que entrais.¿
Mas passarinho não entende nem escrita nem linguagem de gente.
Há um poema famoso, de guerra junqueiro, sobre o melro, pássaro que canta risadas de cristal. Um padre velho e ranzinza tinha raiva do melro. Ele comia as sementes que o padre semeava. Um dia, o padre encontra o ninho do melro num arbusto. Estava cheio de filhotinhos. O padre, para se vingar da mãe, engaiola os filhotinhos. A mãe, vendo seus filhos engaiolados, e sem forças para abrir a portinhola de ferro, traz no seu bico um galho de veneno. "meus filhos, a existência é boa só quando é livre", ela disse. "a liberdade é a lei. Prende-se a asa, mas a alma voa... Ó filhos, voemos pelo azul!... Comei!"
É certo que a mãe do nosso passarinho nunca lera o poema de guerra junqueiro porque, ao ver seu filho engaiolado, lhe disse: "finalmente minhas orações foram respondidas. Você está seguro, pelo resto de sua vida. Nada há a temer. Nenhum gato o comerá. Comida não lhe faltará. Você estará sempre tranqüilo. Se você ficar deprimido, cante. Quem canta seus males espanta. Veja: todos os pássaros engaiolados estão cantando!"
As palavras de sua mãe não o convenceram. Do seu pequeno espaço ele olhava os outros passarinhos. Os bem-te-vis, atrás dos bichinhos; os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores, com seu mágico bater de asas; os urubus, em seus vôos tranqüilos na fundura do céu; as rolinhas, arrulhando, fazendo amor; as pombas, voando como flechas.
Ele queria ser como os outros pássaros, livres... Ah! Se aquela maldita porta se abrisse... Isso era tudo o que ele desejava.
Pois não é que, para surpresa sua, um dia o seu dono esqueceu a porta da gaiola aberta? Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre! Saiu. Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto! Sentiu um pouco de tontura. Estava acostumado com o chão da gaiola, bem pertinho. Teve medo de cair. Agachou-se no galho, para ter mais firmeza.
Viu uma outra árvore mais distante. Teve vontade de ir até lá. Perguntou-se se suas asas agüentariam. Elas não estavam acostumadas. O melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firmemente ainda.
Nesse momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico. Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insetinho não era bobo. Sumiu mostrando a língua.
"Ei, você!" - era uma passarinha. "Vamos voar juntos até o quintal do vizinho? Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Só é preciso prestar atenção no gato que anda por lá..." Só o nome "gato" já lhe deu um arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome.
Chegou o fim da tarde e, com ele, a tristeza do crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde a sua gaiola ficava dependurada. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de árvore, sem proteção. Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? E era preciso não esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com os seus estilingues, no dia seguinte. Tremeu de medo. Nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada.
Somente podem gozar a liberdade aqueles que têm coragem.
Ele não tinha. Teve saudades da gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta. Entrou. Pulou para o poleiro. Adormeceu agradecido a deus pela felicidade da gaiola. É muito mais simples não ser livre.
Nesse momento chegou o dono. Vendo a porta aberta, disse: "passarinho bobo. Não viu que a porta estava aberta. Deve estar meio cego. Pois passarinho de verdade não fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar...¿
(texto de Rubem Alves)
Continuaram a acariciar-se sem desejo e atormentando-se com as súplicas e as recordações.Saborearam a amargura de uma despedida que pressentiam,mas que ainda podiam confundir com uma reconciliação.
Rubem Alves
"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música
Rubem Alves
não começaria com partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria
sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria
que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.
Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas
para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes".
As razões de poder transfomam crimes em heroísmo
Rubem Alves
ler é fazer amor com as palavras
rubem alves
A paixão é emoção gratuita. Não há causas que a expliquem. Mas, quando acontece, ela age como uma artista: da paixão surgem cenas de beleza. Os amantes se imaginam andando de mãos dadas por campos floridos; abraçados numa rede; silenciosos, diante do fogo da lareira; contemplando o rosto de um nenezinho adormecido... Paisagens de paixão
Rubem Alves
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Rubem Alves
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Todas as palavras tomadas literalmente são falsas. A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua: toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio! (Rubem Alves).
Rubem Alves
A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.
Rubem Alves
Toda alma é uma música que toca.
Rubem Alves
Amar é ter um pássaro pousado no dedo.
Rubem Alves
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,
a qualquer momento, ele pode voar
Simplicidade é isso: Quando o coração busca uma coisa só.
Rubem Alves
Concerto para Corpo e Alma
"Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses."
Rubem Alves
A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe.Fósforo que foi riscado.Nunca mais acenderá.Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário.Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte.
Rubem Alves
Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel.
Rubem Alves
Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor, mas não tem poder.
Rubem Alves
"A esperança é uma droga alucinógena".
Rubem Alves
Deus existe para tranquilizar a saudade.
Rubem Alves
A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente
Rubem Alves
"Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer."
Rubem Alves
Todo jardim começa com uma história de amor, antes que qualquer árvore seja plantadaou um lago construído é preciso que eles tenham nascido dentro da alma.
Rubem Alves
Quem não planta jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles.
Deus é alegria. Uma criança é alegria. Deus e uma criança têm isso em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos. Deus vê o mundo com os olhos de uma criança.Está sempre à procura de companheiros para brincar.
Rubem Alves
A alma é uma coleção de belos quadros adornecidos, os seus rostos envolvidos pela sombra. Sua beleza é triste e nostálgica porque, sendo moradores da alma, sonhos, eles não existem do lado de fora. Vez por outra, entretanto, defrontamo-nos com um rosto (ou será apenas uma voz, ou uma maneira de olhar, ou um jeito da mão...) que, sem razões, faz a bela cena acordar. E somos possuídos pela certeza de que este rosto que os olhos contemplam é o mesmo que, no quadro, está escondido pela sombra. O corpo estremece. Está apaixonado.
Rubem Alves
Acontece, entretanto, que não esxiste coisa alguma que seja do tamanho do nosso amor. A nossa fome de beleza é grande demais.(...)Cedo ou tarde descobrirá que o rosto não é aquele. E a bela cena retornará à sua condição de sonho impossível da alma. E só restará a ela alimentar-se da nostalgia que rosto algum poderá satisfazer...
Quem experimenta a beleza está em comunhão com o sagrado.
Rubem Alves
Ao final de nossas lomgas andaças, chegamos finalmente ao lugar.E o vemos então pela primeira vez.Para isso caminhamos a vidainteira:para chegarao lugar de onde partimos.E, quando chegamos, é surpresa.È como se nunca o tivéssemos visto.Agora, ao final de nossas andaças, nossos olhos são outros, olhos de velhice, de saudade.
Rubem Alves