ÁLBUM DE FIGURINHAS
Paulo Moreira
Quis um verso bem pequeno
simples como uma flor
que depois do orvalho e sereno
tal qual lágrimas de dor
Agradece ao sol num aceno
explodindo pétalas de amor
QUANDO O CORAÇÃO APRENDE A FALAR
Paulo Moreira
Homens não sabem falar. Sofrem por não saber dizer. Ao menos aparentemente, nada sabem dizer. Vivem de símbolos. Poder, domínio, jugo, são símbolos pelos quais, em geral, somos vistos.
As mulheres nos apontam, a grosso modo, como infantis, diretos demais e até um pouco negligentes no amor. Será que é assim? Lógica é uma coisa tipicamente masculina, dizem. Qual seria a lógica desses seres que parecem totalmente insensíveis?
Gostaria de tentar dizer, olhando nos olhos de uma mulher.
O homem é grato por natureza. Ele sabe o útero materno que o acolheu; sabe também do calor da primeira mulher que lhe ensinou o amor. E por toda a vida, deve levar isso. Sabe também que amor e gratidão não se misturam; assim, reverencia cada mulher, por enxergar em cada uma a dignidade de todas.
Alguém já disse que procuramos mães. Engano! Procuramos um amor que seja maior que nós mesmos. Até para que a vida tenha sentido. Mas, muitas vezes não sabemos expressar ou pouco sabemos.
Escondemo-nos em nossa fortaleza pelo fato de não conseguir expor. Criamos imagens, que nem por todas as mulheres são entendidas. Talvez até para nós mesmos seja um tanto difícil.
Possuimos o desejo de ser grande ou possuir algo mais, que - se não falamos - queremos mostrar ou insinuar que seja. Dificuldade de entender que a fragilidade faz parte da delicadeza da relação. Nosso pensar, às vezes, é surreal. Medo de ser comparado
Homem é como criança sem domínio sobre a fala; quer dizer de uma estranha maneira que é muito mais do que suas palavras conseguem. Sonha com o aprendizado junto da mulher que o leva além de si mesmo.
Enxerga sua importância para a mulher, querendo ser o que mais plenamente lhe ocupa os espaços, numa linguagem que utiliza seus corpos, mas avança muito além. Essa é sua verdadeira busca. A de ser o amor maior.
Aquele que faz de cada toque, uma cura. De cada estar junto, o dia mais feliz que já existiu. O que faz sua cúmplice vibrar em sua grandeza de mulher. Um certo orgulho de acreditar que seja o único capaz de levá-la à mais que total entrega - a um êxtase de felicidade próximo da implosão.
Um homem não apenas adentra um corpo de mulher. Mora nele. Faz dele seu porto e templo. Passa a ser o pulsar do coração que o abriga. E todos os homens sabem disso - absolutamente todos. É nato do ser homem!
Homens são águias. Pensam ser donos por direito natural. Mesmo sabendo injusto - em sua inocência - agem assim. Mas, só até perceberem que o céu é maior que seus olhos.
Sempre deixam sua presença. De uma forma ou de outra. Uma essência sua fica em cada entrega. A certeza de esperança, de vida. Luz que não se explica – um halo
Quando ama verdadeiramente, o homem deixa sua marca. E sabe quando isso acontece. Agradece em silêncio à sua fada de luz, todo o bem de cada instante compartilhado. Sem que, muitas vezes, essa mulher perceba, devolve de uma forma só sua, o amor que o recebe e o faz tão humano.
Pressente quando é chegado o tempo de dois se tornarem um só. Consegue assim, o que parecia impossível. Envergonhado com a nudez de seu espírito perante a parceira, com os olhos pregados no horizonte, balbucia baixinho:
- Amo você...
A FLOR QUE AMAVA O MAR
Paulo Moreira
Havia uma flor à beira de um rio que se apaixonou pelo mar. Talvez por ouvir o sussurro das águas do rio, que corriam ansiosas para desembocarem na sua imensidão, passou a amar profundamente aquele ser conhecido apenas pelo ouvir falar do vento e dos pássaros. Apaixonou-se por alguém que nunca viu, mas nunca viu; de longe ouvia o canto ritmado das ondas e se imaginava naqueles braços, numa dança contínua da qual só os que têm em si muito amor sabem o ir e vir. Sonhava com o dia em que pudesse estar envolvida por aquele tão admirado e imenso ser. E sentiria suas pétalas acarinhadas por alguém que, certamente, lhe saberia a alma de flor delicada.
Tanto sonhou e pediu, que um pássaro, sensibilizado, mesmo avisando-lhe do risco que corria, atendeu seu pedido de cortar-lhe a haste. Seguindo o rio e deixando-se levar pela correnteza, iria ao encontro de seu querido e a ele juntar-se-ia para sempre.
Caindo no rio, sentiu de imediato seu corpo gelar naquelas águas rudes e fortes que a arrastavam rapidamente. A princípio, gostou daquela velocidade com que ia ao seu destino. Depois sentiu a primeira mordida de um peixe que lhe amputou parte de uma pétala; começou, então, seu caminho de sofrimento. Troncos no meio do caminho insistiam em lhe obstruir a passagem e, cega, sendo levada pela força da água, batia contra pedras que iam lhe dilacerando e tirando sua beleza de flor. Enormes cachoeiras traziam quedas violentas. Medo vencido por uma determinação de quem sabe o que quer. Mesmo quase desmaiada e toda machucada, levava consigo o alento de ir encontrar com seu amor. Todas as dores do mundo não se comparavam à felicidade de realizar o seu sonho. Tudo vale a pena quando se ama.
Até que, muitos dias depois, totalmente deformada e quase inconsciente, viu chegado o momento com o qual sonhou. As águas do rio encontravam-se com o mar com tanto ímpeto que, no encontro, foi arremessada para cima. Naquele exato instante, olhou para o céu e agradeceu a Deus por haver chegado a quem tanto amou. E seus pedaços boiaram inertes sobre aquelas águas que, minutos depois, sequer lembrariam daquela pequenina criatura - um dia tão linda - Flor.
Poucos, além dos pássaros e do vento, souberam da flor, mas ela realizou seu sonho. Conheceu o mar!
Na vida, não podemos reclamar dos caminhos que escolhemos. Qualquer caminho é uma opção nossa. Até morrer de amor.
Pensando nisso, entre duas lágrimas com gosto de sal e o esboço de um sorriso irônico, de repente, me dei conta de uma coisa:
- Eu conheci o mar!
SOLIDÃO E ESPERANÇA
Paulo Moreira
Quando damos conta de que não há ninguém por perto da nossa alma, nasce a solidão, filha não querida. No momento em que alguém que se ama vai embora - deixando desentender tudo - a solidão cria forças.
Um abrir mão sem querer. Sentença sem recurso. Carcereira que nos leva, insensível, até a cela de nós mesmos.
Solidão é um rosto que não se mostra, mas que sabemos deformado e feio. Nada vemos, no entanto, lhe percebemos o andar e a sombra. Cálice que leva ao desespero gota a gota. Sabor com travo de vinho acre que se bebe só. O calor do querer sem fim desaparecendo com o clarear do dia. Vontade das palavras que ninguém pronuncia. Um bicho enorme que se alimenta de sonhos e devora nossa essência. O desejo do beijo e do carinho não recebidos. Um desaprender do que serve a vida. O que não volta a acontecer jamais. Imenso vazio que toma conta de nós e nos torna invisíveis até para quem dorme ao nosso lado.
São nossos planos de malas prontas. Perda amarga que obriga assistir a partida sem mãos capazes de reter. Amor que escorre pelos ralos do nosso não saber. A alegria que perdeu suas vestes. Desencontro marcado. Chegar e descobrir que o outro já partiu. Partir por saber que o outro jamais virá. Tanto amor indo e se perdendo, enquanto nos perdemos de tanto amor. Sensatez perdida na ventania do impreciso e do imprevisto. O sorriso inventado para não ser necessário explicar verdades.
É um vazio que não se preenche. Sentimentos que romperam as comportas, para castigar com sua fúria, a inveja de ser feliz...Uma música lenta que faz fechar os olhos, congelando imagem e gesto de quem dançou junto... Tatear para descobrir através da cegueira, a certeza que nada mais está por perto. Movimento dos corpos sem a magia que os uniu um dia. Sem o ritual etéreo e tão próximo da santidade que só o amor de verdade cultua. Juntos agora no descompasso.
Aparelhos numa sala de cirurgia - adiando a morte completa do que foi cumplicidade. Sinais arrítmicos que forçam desligar o fio que alimenta a certeza do outro. Vidas que eram sorrisos e pulsares. E não mais se aproximam. Ao contrário. Vão indo fugidios para seus barcos, discretos e silentes.
Olhamos o mar sem ancoradouro. Observando nossa sombra se quebrando nas marolas. Pedaços de nós chorando por inteiro. Atentos, talvez, ao tempo do reverso.
De repente, uma faísca num pensamento impossível. Um quase imperceptível piscar dos olhos. Não importa... Uma fração de segundo que valesse apostar toda uma vida. Mais que isso:
A esperança de valer a pena uma única vez – depois de mil vezes -
viver essa agonia.