O anúncio de Bilac (A função do poeta) O dono de um pequeno comércio, amigo do grande poeta Olavo Bilac, abordou-o certa vez na rua: - Sr. Bilac, estou a precisar vender a minha propriedade, que o Senhor tão bem conhece. Poderia, por gentileza, redigir o anúncio para a venda no jornal? Olavo Bilac apanhou o papel que o amigo lhe estendia e escreveu: VENDE-SE ENCANTADORA PROPRIEDADE "Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo. Cortada por cristalinas e marejantes água de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranqüila das tardes, na varanda". “Meses depois, o poeta reencontrou o comerciante e perguntou-lhe se havia conseguido vender a propriedade”. - Nem pense mais nisso Sr. Bilac! Quando li o anúncio que o senhor escreveu é que percebi a maravilha que tinha nas mãos. Às vezes não descobrimos as coisas boas que temos conosco e vamos longe atrás de Miragens e falsos tesouros. Valorize o que você tem. A pessoa que está a seu lado, os amigos que estão junto a você, o emprego que Deus lhe proporcionou, o conhecimento adquirido, a sua saúde, o sorriso... Enfim, tudo aquilo que Nosso Senhor nos oferece diariamente para o nosso crescimento espiritual.
Olavo Bilac
Maldição
Olavo Bilac
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
_ Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
Saudades: presença dos ausentes.
Olavo Bilac
Ao coração que sofre, separado
Olavo Bilac
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
Ao coração que sofre
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
Há quem me julgue perdido,porque ando a ouvir estrelas.Só quem ama tem ouvido para ouvi-las e entende-las..
Olavo Bilac
A pátria não é a raça, não é o meio,
Olavo Bilac
não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos:
é o idioma criado ou herdado pelo povo.
Flerte é um namoro inofensivo, sem conseqüências, que não acaba nem na pretoria nem na Casa de Detenção.
Olavo Bilac
Ouvir Estrelas
Olavo Bilac
Ora ( direis ) ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouví-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas
Remorso
Olavo Bilac
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
O medo é o pai da crença.
Olavo Bilac
"Criação"
Olavo Bilac
Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.
um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra, aflito;
rasgá-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.
Deus transmite o seu hálito aos amantes;
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;
porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em glorificações, enchendo o espaço!
Um beijo
Olavo Bilac
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...
Última flor do Lácio, inculta e bela,
Olavo Bilac
(...) Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
NÃO ÉS BOM,NEM ÉS MAU:ÉS TRISTE E HUMANO...
Olavo Bilac
VIVES ANCIANDO,EM MALDIÇÕES E PRECES,COMO SE A ARDER,NO CORAÇÃO TIVESSES,O TULMUTO E O CLAMOR DE UM LARGO OCEANO.
POBRE,NO BEM COMO NO MAL,PADECES;E,ROLANDO NUM VÓRTICE VESANO,OSCILAS ENTRE A CRENÇA E O DESENGANO,ENTRE ESPERANÇAS E DESINTERESSES. CAPAZ DE HORRORES E DE AÇÕES SUBLIMES,NÃO FICAS DAS VIRTUDES SATISFEITO,NEM TE ARREPENDES,INFELIZ,DOS CRIMES: E,NO PERPÉTUO IDEAL QUE TE DEVORA,RESIDEM JUNTAMENTE NO TEU PEITO UM DEMÔNIO QUE RUGE E UM DEUS QUE CHORA.
Velhas Árvores
Olavo Bilac
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
O PÁSSARO CATIVO
Olavo Bilac
Armas, num galho de árvore, o alçapão.
E, em breve, uma avezinha descuidada, batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada, a gaiola dourada.
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo.
Por que é que, tendo tudo, há de ficar o passarinho
mudo, arrepiado e triste, sem cantar?
É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorgeando a sua dor exalam, sem que os homens os possam entender.
Se os pássaros falassem,
talvez os teus ouvidos escutassem este cativo pássaro dizer:
"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.
Tenho água fresca num recanto escuro.
Da selva em que nasci; da mata entre os verdores,
tenho frutos e flores, sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola de haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído de folhas secas, plácido, e escondido.
Entre os galhos das árvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...
QUERO VOAR! VOAR!..."
Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição.
E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão...