o pato, menina,
Millôr Fernandes
é um animal
com buzina
Inúmeros artistas contemporâneos não são artistas e, olhando bem, nem são contemporâneos.
Millôr Fernandes
Toda alegria é assim: já vem embrulhada numa tristezinha de papel fino.
Millôr Fernandes
[Sobre o Xadrez]
Millôr Fernandes
Jogo chinês que aumenta a capacidade de jogar xadrez.
com pó e mistério
Millôr Fernandes
a mulher ao espelho
retoca o adultério
tem cautela;
Millôr Fernandes
ajuda o sol
com uma vela
Não devemos resisitir às tentações: elas podem não voltar.
Millôr Fernandes
maravilha sem par
Millôr Fernandes
a televisão
só falta não falar
Anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que, nas mulheres, fica muito melhor.
Millôr Fernandes
na imensa descida
Millôr Fernandes
a catarata
se suicida
Quando um chato diz: "Eu vou embora", que presença de espírito.
Millôr Fernandes
o velho coelho
Millôr Fernandes
só se reproduz
no espelho
A QUEDA
Millôr Fernandes
MILÔR FERNANDES
“Um tombo, um deslize físico, um salto no espaço,
e está em toda a divulgação do mundo sem fronteiras”.
É terrível cair.
Não é apenas o orgulho que cai
Quando caímos
Mas toda a segurança interior
Equilíbrio de cérebro e pessoa.
Caindo nos perdemos;
E alguma coisa
Fica lá, em toda queda.
Algo irrecuperável,
Alguma perda total e absoluta
Para sempre e um dia.
Alguma perda total e absoluta
Para sempre e um dia.
Parte de um todo nosso, interior
Jamais recuperado.
Caímos e jamais nos levantamos
Outra vez os mesmos.
Tudo que é vivo teme a queda,
Vive em função da queda que virá,
Fatal.
Diminuímos o efeito da queda
Pela espera da queda
E chamando-a de outros nomes:
Tropeção (que é semiqueda),
Trambolhão (que é quase queda)
Esparramar (que é queda e meia)
Despencar (que é grande queda)
Eufemismo tudo para o efeito
Único, moral e contudente
Da palavra sinistra,
Fato e fator,
Acontecimento físico e metafísico.
OS QUE JÁ CAÍRAM, AH!
No paraíso, na rua, na História,
Na escada.
Caiu Humpty Dumpty
Na aventura de Alice.
Caiu a própria Alice.
Caiu a mãe de Hamlet,
Caem as folhas no outono,
Mais triste quando cai à tarde.
E depois do primeiro homem
E da primeira mulher
Todos os grandes caem
Em seu dia e hora.
Caiu Saul, e Jonas, e Golias,
E também os muros que cercavam
Os poderosos donos de Jericó.
Caiu Tróia e caíram os romanos.
Lúcifer levou nove demorados dias
Em sua assustadora queda,
A mais profunda queda registrada.
Há grandeza nos homens que caem,
Não se respeitam, porém as decaídas,
Mas ambos ocupam o mesmo lugar
Na composição eterna da caída
Humana.
A gravidade é a negação da vida
Desde a invenção dos tempos.
O homem é um macaco que não deu certo.
Millôr Fernandes
Aniversário é uma festa
Millôr Fernandes
Pra te lembrar
Do que resta.
Goze.
Millôr Fernandes
Quem sabe essa
é a última dose?
Trabalho não mata. Mas vagabundagem nem cansa.
Millôr Fernandes
Ontem hoje / E amanhã / O homem o cabelo parte / Parte o cabelo com arte / Até que o cabelo parte.
Millôr Fernandes
coisa rara:
Millôr Fernandes
teu espelho
tem minha cara
Nunca esqueça:
Millôr Fernandes
A vida também perde a cabeça
Ninguém sabe o que você ouve, mas todo mundo ouve muito bem o que você fala.
Millôr Fernandes
nos dias quotidianos
Millôr Fernandes
é que se passam
os anos
Nada tem nexo
Millôr Fernandes
tudo é apenas
um reflexo.
Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo. Pode-se brincar com a hipocrisia alheia como quem brinca com a roleta russa com a certeza de que a arma está descarregada.
Millôr Fernandes
Natação e Automobilismo:
Millôr Fernandes
Tenho absoluta incapacidade de admirar um homem apenas porque ele é melhor do que o outro um centésimo de segundo.