Folha de jornal
Anibal Beça
vem no vento ao meu pescoço;
cachecol de letras.
Folha no rio
Anibal Beça
vai para o mar sem volta -
chorão se renova.
Folhas do ciclame
Anibal Beça
ao vento pra lá e pra cá -
um coração pulsa.
Fugiu-me da mão
Anibal Beça
no vento com folhas secas
a carta esperada.
Gaiola se abrindo
Anibal Beça
e o haijin livre de amarras:
sabiá cantando.
Girassol na tarde
Anibal Beça
se curva em reverência:
o sol se vai.
Grito de agonia:
Anibal Beça
periquito na jaqueira
preso na resina.
Hora do recreio:
Anibal Beça
periquitos tagarelas
brigam pelas mangas.
Já é quase dia
Anibal Beça
e a lua brilha no lago.
Ainda é primavera!
Janela fechada:
Anibal Beça
borboleta na vidraça
dá cor ao meu dia.
Jogando a tarrafa
Anibal Beça
caboclo desfaz a lua.
Pesca estrelas de escama.
Maria-fecha-a-porta
Anibal Beça
ao toque do meu dedo:
ah plantinha tímida...
Menino amuado
Anibal Beça
quem te deu tamanho bico
foi o tico-tico?
Menino no banheiro
Anibal Beça
sola um sonho só de gozo
entre a mão e o chuveiro.
Morcego em surdina
Anibal Beça
morde e sopra o velho gato.
Não contava o pulo...
Na caixa postal
Anibal Beça
a mão sente a queimadura:
taturana presa.
Na calma do lago
Anibal Beça
um bufo entre a canarana:
peixe-boi respira.
Na casca amarela
Anibal Beça
se esconde em vão a goiaba:
tantos bem-te-vis...
Na hora do rush
Anibal Beça
o cheiro do incenso acalma:
hare-krishnas dançam.
Na noite de inverno
Anibal Beça
o frio não é só no corpo:
as tábuas estalam.
Na soleira do sítio
Anibal Beça
a graúna canta
ao silêncio do sol.
Não deviam voltar os acontecimentos que já aconteceram, mas voltam: com um formato especial, reduzido, próprio para circular na cabeça.
Anibal Machado A arte de viver e outras artes
No céu enfeitado,
Anibal Beça
papagaio de papel:
também vou no vôo.
No embalo do vento
Anibal Beça
palmeiras se abraçam:
dois amantes?
No ocaso do outono
Anibal Beça
só o carrapicho gruda
na velha calça...