A chuva já vem?
Anibal Beça
Não vem. É o marcador
cantando a quadrilha.
A cigarra canta
Anibal Beça
o anúncio de sua morte -
formigas na contra-dança.
A flor do ipê-roxo
Anibal Beça
cai deixando saudades.
Ah, a moça da tarde...
Abre o camponês
Anibal Beça
sulcos de arado na terra:
no seu rosto rugas.
Abro o armário e vejo
Anibal Beça
nos sapatos meus caminhos.
Qual virá no séquito?
Açougue nas águas:
Anibal Beça
piranhas esquartejam o boi
no meio do rio.
Ah, a sensualidade...
Anibal Beça
palmeiras se abraçando
cúmplices do vento.
Além do quentão,
Anibal Beça
só a orelha da companheira
me salva do frio.
Ao sol do verão
Anibal Beça
o sorvete se derrete.
Namoro desfeito.
Apenas um gesto
Anibal Beça
e o homem é capaz de vida -
reparto o caqui.
Bem que me agasalho.
Anibal Beça
Galhos sem folhas lá fora
parecem ter frio.
Brilha mais ereto
Anibal Beça
o penhasco sob o sol:
ah o verão fértil.
Broca no bambu
Anibal Beça
deixa furos de flauta.
O vento faz música.
Canto e contracanto:
Anibal Beça
o pica-pau reclamando
do som do machado.
Cercada de verde
Anibal Beça
ilha na hera do muro:
uma orquídea branca.
Céu de primavera
Anibal Beça
no jardim dorme a menina.
Qual a flor do sonho?
Céu de primavera.
Anibal Beça
Nas açucenas floridas
dura mais o orvalho.
Com jeito voyeur
Anibal Beça
da soleira da janela
um pombo me espia.
Coruja na cumeeira
Anibal Beça
arrepia no seu canto -
a viúva reza.
Dançando a quadrilha
Anibal Beça
lembrei de aulas de francês.
Onde a professora?
De manhã, a brisa
Anibal Beça
encrespa o igarapé
e penteia as águas.
De traje a rigor
Anibal Beça
os urubus em meneios
bailando nas nuvens.
Doceira na noite
Anibal Beça
a negra sorriu:
canteiro de estrelas?
Em câmera lenta
Anibal Beça
preguiça na imbaubeira
passa a outro galho.
Entre o capim seco
Anibal Beça
uma surpresa rajada:
ovos de codorna.