Arte legítima é aquela que tem uma certa inevitabilidade: só poderia ser feita naquele momento histórico, por uma determinada pessoa, inspirada por uma visão de um mundo determinada.
Alexei Bueno
Na noite trevosa
Alexei Bueno
eis, quando menos se espera,
teu semblante, lua!
Crânios num ossuário.
Alexei Bueno
As pedras brancas invejam-lhes
muito pouco as vidas.
Mosquito ferido.
Alexei Bueno
Quieta agonia de pernas
e antenas na noite.
Quero ouvir na noite
Alexei Bueno
os sapos que embalarão,
eternos, meu túmulo.
Meio-dia. O cego
Alexei Bueno
marcha, batendo, batendo
sobre a própria sombra.
Grito da sineta
Alexei Bueno
na última aula. Alegria.
Depois o silêncio.
Lá, bem sobre a estrada,
Alexei Bueno
a casa entre flores onde
não entrarei nunca.
No solar ruído
Alexei Bueno
há ainda verdes cortinas
e um senhor, o sapo.
Por trás do combate
Alexei Bueno
feroz do vento e das nuvens
a intocada estrela.
Mesmo esse macaco
Alexei Bueno
ridente, é incrível, um dia
ficará calado.
Sobre mim a lua.
Alexei Bueno
Lá atrás das altas montanhas
outro deve olhá-la.
Chuva e névoa gélida.
Alexei Bueno
Que frio teria o sapo
se tivesse frio?
Lâmpada vermelha
Alexei Bueno
no umbral da taberna. O vento
diz que ela bebeu.
Velho, esta manhã
Alexei Bueno
naquele pátio ruidoso
é a que foi tua.
Nuvem, ergue a pálpebra!
Alexei Bueno
Quero ver o olho de cego
com que sondas a noite.
Entre as ruas, eu,
Alexei Bueno
e em mim, eu em outras ruas,
sob a mesma noite.
Sobre o monte liso
Alexei Bueno
contra o céu uma só árvore.
Gesto de vitória!
Virando, rompendo
Alexei Bueno
as folhas secas, meus pés
sem respeito aos mortos.
Na esquina sumindo
Alexei Bueno
os homens. Logo outros homens
sumindo. Na esquina...
Antes que algum nome
Alexei Bueno
nos designasse, já rias,
pequena cascata.
Esqueletos de árvores,
Alexei Bueno
lampiões rodando no vento,
no chão, sombras, bêbadas.
Nos bambus já escuros,
Alexei Bueno
morcegos, daqui, dali,
também sem destinos.
Marchando no tempo,
Alexei Bueno
antes de tudo e após tudo,
soberbo, o silêncio.
No olho das ruínas
Alexei Bueno
as íris dos vaga-lumes
sob as tranças de ervas.