Todo o perigo da dor
Valter da Rosa Borges
não é seu próprio doer:
é a sua anestesia.
A dor que já não se sente,
nem em si e nem nos outros.
A dor que perdeu a voz.
A dor a que falta o espasmo.
A dor que não causa espanto.
A dor que não mais revolta.
A dor que nos fez eunuco
no amargo céu da impotência.
Todo sonho é um fato
Valter da Rosa Borges
que ainda falta acontecer.
Todo titular do poder, seja ela uma pessoa ou um grupo, procurar sempre manter-se nele indefinidamente.
Valter da Rosa Borges
Todos vigiam e são vigiados.
Valter da Rosa Borges
Eis o que é segurança.
E a liberdade?
tomando banho só
Rosa Clement
no riacho escondido -
cantos de bem-te-vis
Tortura tecnológica
Valter da Rosa Borges
para manter quase vivo
o que quase morto está.
Tudo não pára de viver,
Valter da Rosa Borges
tudo não pára de morrer.
Eis a imortalidade!
Tudo que é bom dura o tempo suficiente para ser inesquecível.
Thatyane Rosa
Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.
Guimarães Rosa
Tudo parece indicar que a tendência do universo não é a manutenção do nomadismo do elétron, mas do seu aproveitamento no sistema operativo do átomo. A rigor, talvez, não existam elétrons livres na natureza, porém em trânsito de um sistema atômico para outro, na conformidade das leis de atração, que regem o microcosmo. O associacionismo parece ser a impulsão teleológica do universo. A unidade, a sua permanente meta. Uma unidade cada vez mais rica operacionalmente. Por isso, o elétron que, como unidade, tem um campo di-minuto, sente-se atraído a participar da unidade maior do átomo. Por sua vez, os átomos procuram associar-se a outros átomos, segundo as suas estruturas eletromagnéticas e afinidades químicas e, assim, sucessivamente, do átomo à molécula, da molécula à célula, numa escala cada vez mais complexa de associações, na síntese de individualidades cada vez mais estáveis, até atingir o fenômeno humano e - o que nos parece lógico - prosseguir além dele.
Valter da Rosa Borges
Um ateu diria que Deus
Valter da Rosa Borges
fez esse mundo tão mal feito,
tão cheio de sofrimentos
que ficou envergonhado
e até hoje vive escondido.
Um dia, ficamos adultos
Valter da Rosa Borges
e os nossos brinquedos mudaram.
Ninguém pode viver sem seus brinquedos.
Um dia, morreremos
Valter da Rosa Borges
(ou acordaremos?).
E, se acordarmos,
o que seremos?
Um dia, todos seremos
Valter da Rosa Borges
um dos bilhões de esquecidos,
que tinham a ilusão
de continuarem lembrados.
Um dia, volveremos ao infinito.
Valter da Rosa Borges
Onde estaremos? E o que seremos?
O nada do infinito não responde,
pois não há ninguém para escutar.
Um inimigo visível pode ser vigiado.
Valter da Rosa Borges
Um inimigo invisível nos vigia.
Um vazio pulsante é o que somos,
Valter da Rosa Borges
vivendo na ilusão da solidez.
Matéria são vazios que colidem.
As formas são momentos do vazio.
Tudo é mudança.
Mas, o que dirige
a universal mudança do vazio?
Um vazio pulsante é o que somos,
Valter da Rosa Borges
vivendo na ilusão da solidez.
Matéria são vazios que colidem.
As formas são momentos do vazio.
Tudo é mudança.
Mas, o que dirige
a universal mudança no Vazio?
Uma estátua, por mais bela,
Valter da Rosa Borges
não se equipara
à pessoa mais humilde.
Uma simples planta no jardim
é mais formosa
do que qualquer natureza morta.
Uma folha que cai
Valter da Rosa Borges
desarruma o universo.
O respiro de uma ave
afeta o clima da Terra.
O balançar de uma teia
e aranha afeta a galáxia.
Uma criança que nasce
muda o destino do mundo.
Cada gesto de amor
salva toda a humanidade.
Uma forma sutil de apego: a apego ao que se sabe.
Valter da Rosa Borges
Uma forma sutil de escravidão:
Valter da Rosa Borges
a opinião dos outros.
Uma gota se formando...
Joyce Rosa de Sousa
E de gota em gota forma-se um rio
e o rio sabe do seu destino
desde quando era gota
As pedras, as folhas secas do outono,
as quedas e os remansos
e por fim o (a)mar.
verdes vindo à face da luz
Guimarães Rosa
na beirada de cada folha
a queda de uma gota
Viver é consumir e consumir-se.
Valter da Rosa Borges
Só na morte não há consumo.