O Poema
Mário Quintana
O poema essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face.
O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico.
Mario Quintana
O POETA
Mário Quintana
Venho do fundo das Eras
Quando o mundo mal nascia...
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!
O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.
Mário Quintana
O silêncio é um espião.
Mário Quintana
O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores.
Mário Quintana
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente...
Mário Quintana
O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê.
Mário Quintana
Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Mário Quintana
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!
Os poemas são pássaros que chegam
Mário Quintana
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem.
Mario Quintana
PEQUENO ESCLARECIMENTO
Mário Quintana
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio rm que escrevo e em que tu me lês.
Poema
Mário Quintana
Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...
Poema da gare de Astapovo
Mário Quintana
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Poema Transitório
Mário Quintana
(...) é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente!
... no entanto
eu gostava mesmo era de partir...
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
POEMINHA DO CONTRA
Mário Quintana
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
POEMINHA SENTIMENTAL
Mario Quintana
O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
Por acaso, surpreendo-me no espelho:
mario quintana
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."
Por favor não me analise,
Mario Quintana
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda.
Quanto mais eu, ciumento, exigente, inseguro, carente,
Todo cheio de marcas que a vida deixou.
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor
Por que será que a gente vive chorando os amigos mortos e não agüenta os que continuam vivos?
Mário Quintana
PRESENÇA
Mário Quintana
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
Qualquer ideia que te agrade,
Mário Quintana
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
Mário Quintana
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova...
Quando eu for, um dia desses,
Mário Quintana
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
Quando guri, eu tinha de me calar, à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem.
Mário Quintana